Livro escrito por Wilker Norberto dos Reis, jovem escritor com o sonho de tornar palavras aquilo que vê e sente.
= D

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Capítulo 1 : Ás vezes Nada é o que parece

-Nossa, olha só quanta gente naquele busão!

-E aquele ali então. To vendo que esse ano vai ser osso!

Do alto do morro do papagaio, Lucas e Marina tinham uma vista privilegiada da parte costeira da cidade. Dali dava pra se ver a Praia do Mico, rodeada pela Avenida Niemeyer com seus bares e lojas, a enseada com seus iates e mais ao longe a colônia de pescadores e seus barcos humildes. Contudo seus olhares se concentravam na pequena rodoviária local que se agigantara com o intenso movimento dos ônibus. Todo fim de ano era assim. A cidade se enchia de visitantes de todas as partes do estado e de fora dele, atrás de praia e sol, dos quitutes da culinária local ou apenas pela tranqüilidade de uma cidade interiorana em pleno litoral. A maioria deles vinham só para um fim de semana, mas um boa parte permanecia para as festas de fim de ano ou até o mês inteiro. Somando os itinerantes e os contínuos, a população local dobrava e nem todos gostavam disso. Alguns achavam que os turistas só traziam lixo, baderna e libidinagem. Já outros discordam, achando importante para a população a renda que eles trazem consigo. Esse debate era comum e nunca chegava num consenso.

-Vamo na praia hoje?

-Ah, mas hoje vai ta muito cheia. Vamo outro dia.

-Eu não to falando dessa praia. Eu to falando da nossa praia. – Os olhos da menina brilharam com o convite. Há muito tempo eles não iam lá e Lucas nunca a chamava. Era sempre ela que tinha de convidá-lo.

-Se for assim eu vou. Que horas?

-Às duas.

-Fechado então.

XXX

Já era quase meio dia e o sol castigava. Lucas e Marina voltaram pra casa seguindo por caminhos diferentes. Marina desceu a Avenida Nossa Senhora da Consolação, pois morava na parte velha da cidade e Lucas seguiu rumo ao América. Era um Verão típico, de sol a pino e nenhuma nuvem no céu. Lucas tirou a camisa e sentiu uma agradável brisa aliviar-lhe um pouco o mormaço. Quando chegou à sua rua, para a sua surpresa, avistou um grande caminhão de mudança parado em frente à sua casa. Apertou o passo para saber direito o que estava acontecendo.

Ao chegar perto do caminhão ficou aliviado por que não eram seus pais que resolveram se mudar de uma hora pra outra. Era no casarão ao lado. Lucas sabia muito pouco daquela casa, só lembrava que ali morou uma senhora, há muito tempo atrás, mas que depois se mudou da cidade e deixou a casa vaga desde então.

“Quem será que iria morar ali?” pensou o garoto. Essa duvida poderia ser resolvida por Seu Lopes, o dono do caminhão da mudança e que também era padeiro. Ele voltava de dentro da casa e Lucas correu em sua direção:

-Oi, Seu Lopes!

-Olá, como vai Menino Lucas?

-Quem ta se mudando pra ai?

-Ah, uma mulher.

-Mulher? Como assim?

-Por que você não pergunta pra ela. - E apontou para a direção de Lucas, que se virou e não acreditou no que viu.

- Oi, você deve ser meu vizinho né? Eu me chamo Luisa. Muito prazer. - E estendeu a mão para ser cumprimentada mas Lucas nem se moveu. Ficou paralisado onde estava. Ela era linda. Muito, muito mesmo. Cabelos negros, lisos e suavemente rente a nuca, 1,75 m, pele clara como a neve e olhos verdes radiantes. Aparentava ter no máximo 18 anos.

- Prazer. – E apertou a mão da moça, que lhe puxou e deu-lhe três beijinhos no rosto como era seu hábito. O garoto ficou todo vermelho de vergonha. Seu coração bateu em disparada e sua respiração palpitante como numa partida de futebol. O vermelho então deu lugar a um branco pálido e ele não raciocinava mais.

- Você está se sentindo bem? – A pergunta trouxe Lucas de volta a terra. Por instinto engrossou a voz e se apresentou a dama:

- Oh sim. Estou ótimo. Eu sou o Lucas, vou ser o seu vizinho da esquerda.

- Ah que bom que você está bem. Você me pareceu um pouco pálido.

- É impressão sua. Mas você tá se mudando pra aqui mesmo?

- Bom pretendo né? – E deu um belo sorriso branco de desmaiar batalhão.

- Aqui se você precisar de alguma coisa você sabe onde me encontrar. É só me chamar que eu vou ficar muito feliz em te ajudar.

- Ah muito obrigado! – Lucas se arrependeu de ter dito aquilo. Soou como uma despedida, mas ele não queria ir. Seu corpo até esquecera a fome e o calor. Aliás, nem sabia direito por que falara aquilo. Talvez seja seu inconsciente querendo sair daquela situação. Mas agora não sentia mais vergonha. Precisava retornar ao diálogo. E rápido.

- Você não está precisando de ajuda com a mudança? Eu poderia carregar alguma coisa. - Se saiu bem o malandrão.

- Ah seria bom. Começamos hoje bem cedinho levando os móveis e agora só restaram essas caixas. Eu já dispensei os outros carregadores e fiquei só eu e aquele senhor para carregar o resto, mas ele me parece meio velho e não quero esforçá-lo muito. Você se importaria de substituí-lo?

- Claro, por que não? – e abriu um sorriso besta. Luísa agradeceu o Seu Lopes e dispensou-o para almoçar, que ela e Lucas terminariam a mudança e que depois ele poderia voltar para pegar o caminhão. Luísa trazia consigo a ingenuidade da cidade grande e se deixou levar pelas aparências ao julgar aquele homem. Realmente ele não passava a imagem de ser o mais saudável. Barrigudo, baixinho e de cabelos brancos parecia mais com esses senhores que ficam na pracinha de São Benedito jogando buraco ou até com os cachaceiros do Bar do Vilmar. Mas quem o conhecia como Lucas, sabia que era um homem trabalhador e assim como muitos outros homens, alguns bem mais velhos que ele, preferia continuar trabalhando a ficar parado. È uma forma de manter-se ativo e com saúde. No interior é assim.

XXX

- Então, você pode começar com aquela caixa escrita “livros” ali. Será que você agüenta? Você não me parece muito forte... – Lucas então percebeu que ainda estava sem camisa. Colocou-a e pegou a caixa. Ela estava realmente pesada mas ele disfarçou:

- Ah, é leve. Agüento até duas dessa só que eu não quero me exibir! - Brincou devolvendo a provocação.

- Convencido você... - E riu. Luísa estava de bom humor e Lucas percebeu nisso uma boa oportunidade de conhecer melhor a vizinha. Ela pegou uma caixa menor e foram juntos para dentro da casa.

- Então, que mal lhe pergunte, o que faz uma dama bela e jovial nesse lugar esquecido do mundo?

- Bela e Jovial? Que bonito. Foi sua vó que te ensinou a falar assim?

- Não, foi minha bisavó. – A garota deu uma risadinha sem abrir muito os lábios e começaram a subir as escadas.

- Mas você me acha bela mesmo?

- Claro que não. – Luísa parou a subida e olhou diretamente para o rosto do garoto que permanecia imóvel. Então não agüentou e soltou uma forte gargalhada que dava pra se ver o seu dente quarto molar. Na verdade Lucas queria dizer “Claro que não, eu te acho maravilhosa, perfeita etc.”, mas seria descaramento demais da parte dele tendo como possíveis conseqüências desde uma leve bofetada a ser expulso da casa aos gritos e pontapés, se bem que isso seria um pouco de exagero.

- Todo mundo na cidade é bobo assim igual você?

- Bobo? Eu sou a pessoa mais séria daqui.

Lucas era dono de um estilo único e inigualável conseguindo ser irônico nas horas mais improváveis e sem parecer mané ou debochado. Arrancava risadas até de rostos bem carrancudos. Ele aprendera com o Pai a arte do riso, mas com o tempo desenvolveu seu próprio estilo, superando seu mestre. Às vezes era tão perfeito que os mais desavisados bobeavam e ele tinha de explicar a piada para evitar maiores complicações. Seria o palhaço da cidade não fosse à mãe que por outro lado o polira e o ensinara toda a gentileza da gente do interior, sempre o repreendendo quando da ausência dos bons modos: “Por que você não deu um oi pra Dona Laurinda quando ela passou por você?”, “Não pegue o bolo antes do dono da casa oferecer!”, “Dê Benção a seu padrinho!” e por aí vai. Com essas duas poderosas habilidades, Lucas poderia ir muito longe não fosse o fato de ser muito tímido na hora de fazer amigos.

XXX

- Mas você ainda não respondeu a minha pergunta...

- Que pergunta?

- Por que você se mudou pra cá?

- Eu sou jornalista. Trabalho na seção de turismo de um Jornal lá do Rio. Eu morava lá, mas agora vou morar aqui.

- Jornalista? Mas você ainda é muito nova?

- Eu tenho 21. Me formei ano passado. Sabe como é né? Sou mei estudiosa.

- Você comprou essa casa?

- Não ela era da minha vó, mas tem ums tempos que ela mora em Petrópolis então eu decidi vir pra cá e não pagar mais aluguel.

-E o seu marido vai morar aqui também?

- Marido?! Se ta ficando doido menino?!! Ta muito cedo pra eu pensar nisso ainda. Por enquanto vai ser só eu e o Baltazar.

- E esse Baltazar é seu namorado?

- Que namorado, para! Baltazar é meu gato. Fofinho, lindo. Ele chega amanhã. Aliás amanhã você bem que podia vira aqui me dar uma ajudinha aqui.

- Se der pra mim, eu ajudo sim.

- Ah que bom. Então amanhã se der aparece aqui depois do almoço. Pronto! Essa foi à última caixa. Muito obrigado, Lucas. Me ajudou pra caramba. Quanto lhe devo?

- Muito obrigado, mas não quero nada. Eu te ajudei de coração não por dinheiro, Dona Luisa.

- Peralá! Dona não. Só Luísa.

- Ta bom Luisa.

- Você é um bom rapaz.

- Você também não é de se jogar fora.

XXX

Se despediram e Lucas seguiu para sua casa, agora cansado, com fome, e precisando de um banho. Depois de certa reflexão concluiu que apesar da situação ter sido muito interessante, não era assim tudo o que ele estava pensando. Ele tinha se empolgado demais. Luísa era gente boa e jovem mas nunca ia dar bola para um rapazote de 15 anos que nem ele. Ela já era formada, trabalhava e morava sozinha. Isso é muita coisa. Poderiam até serem amigos, mas não passaria disso tão cedo, deduziu.

- “Será?”

XXX

Marina chegou cedo à praia do quebra-queixo. De lá começava uma trilha muito bem escondida que levava à praia secreta dela e de Lucas. Sentou numa pedra estrategicamente localizada à sombra de uma palmeira e esperou. Haviam marcado 2 horas, mas é ele sempre se atrasa. 2:10, 2:20, 2:30. O sol ardia e a água do mar era convidativa mas a menina não arredou. Iria esperar até Lucas chegar. “Sem ele não tem graça” pensou.

3:00, 3:20, 3:30. A alta palmeira já dava uma larga sombra que se estendia até o quebrar das ondas. A menina abandonou a animação inicial e abraçou o desespero. 4 horas. Ele não vem mais. A menina foi embora. No meio do caminho mandou uma mensagem de celular pra ele: PQ Vc N vem Veio?

XXX

Lucas desabou na cama exausto. Estava com o corpo relaxado depois do banho e da pratada do almoço. Era hora de descansar, mas não conseguia tirar Luísa da cabeça. Por mais que tentasse fugir, ela sempre voltava; Com seu neve sorriso, sua risada, sua pele alva... Ai! É Tentação demais!

O delírio foi bruscamente interrompido por um barulho polifônico vindo de algum lugar. Lucas pegou curioso o celular dentro da caixa de sapatos. Ninguém o telefonava a não ser Marina e mesmo assim muito de vez em quando. Que seria dessa Vez?

- Caramba! A Marina! Eu me esqueci completamente! - Pegou a bicicleta e acelerou tudo em direção ao Atlântico.

XXX

- Ei, Marina! Espera! - A menina não deu confiança e seguiu reto. Estava chateada, mas ainda assim no fundo, queria falar com ele. Lucas disparou a magrela e interceptou-a antes de atravessar a Avenida Niemeyer.

- Por que você ta voltando? Ela já sabia ou devia prezumir

- An? Deixa de ser bobo. Você não foi eu vim embora.

- Me desculpa. É que teve uma mudança lá no meu bairro. Eu tava lá ajudando e acabei me atrasando. Você não tá triste comigo, tá?

- Tô... Um pouco... Ah! Você poderia ter avisado assim eu não precisava ficar que nem idiota te esperando na praia.

- Ta bom. Eu sou um idiota. Mas a gente pode ir lá agora. Que tal?

- Ah agora não dá. Tá tarde. Deixa pra outro dia.

- Tá Ok então. Qualquer dia a gente vem. Agora sobe no guidom que eu te levo até em casa.

- Ah, para. Você fazia isso quando a gente era criança agora você não aguenta mais.

- Claro que aguento. Nessa barra forte do meu pai eu carrego até um elefante, quanto mais uma formiguinha que nem você.

- Haha. Mais hoje não vai rolar, eu quero ir sozinha.

- Tá bom então. Amigos?

- Amigos. - Eles então a abraçou para selar a paz entre os amigos. Marina manteve o abraço por mais um tempo, mas depois voltou a fechar a cara, para manter a aparência que ainda estava chateada com ele. Se despediram e novamente cada um seguiu seu caminho. Marina feliz, (re)lembrando o abraço que sentira de Lucas e o quão juntos ficaram naquele momento. Lucas decepcionado, pois naquele dia nada foi como parecia ser.

XXX

O dia raiou como sempre. O galo cantando. Os carros rodando. As oficinas mecânicas fazendo seu tradicional barulho de marteladas, soldas, macacos e motores. Lucas ignorou tudo isso e acordou quase na hora de almoço. Dormira muito, pois estara muito tenso e cansado. Acordou bem tranqüilo e disposto. Almoçou e saiu para o mais um desafio. Apertou a campainha da casarão ao lado e esperou um tempo.

- Oi, Lucas! Espera um pouquinho aí que eu já volto. - A mulher sumiu tão rapidamente quanto tinha aparecido mas Lucas nem se importou. Só de pensar em ficar mais um pouco na companhia dela, ele delirava. Enquanto esperava olhou para o céu e admirou quantas gaivotas voavam naquele dias. Na verdade, pra ele qualquer pássaro branco era uma gaivota. Mas não importa. Ouviu-se passos atrás da porta. Luísa abriu a porta da frente da casa e...

- JESUS!!!